O Brasil ocupa o 5º lugar entre os países mais violentos do mundo no que se refere à violência doméstica contra mulheres.
Em fevereiro de 2019, a ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou uma pesquisa encomendada ao Datafolha sobre a violência doméstica no País.
E os dados continuam alarmentes. No ano passado, 1,6 milhão de mulheres sofreram espancamento, 76,4% das vítimas conheciam o agressor e 42% dos crimes ocorreram em ambiente doméstico.
E você, como síndico, já parou para pensar como reagiria se presenciasse, ou suspeitasse, de algum caso de agressão no seu condomínio?
Nessa matéria, o SíndicoNet traz orientações para o síndico estar devidamente preparado diante dessas situações. Fique conosco!
Legislação
Antes de qualquer coisa, vale lembrar que os crimes de violência doméstica são aqueles cometidos com a prevalência das relações domésticas, podendo o agressor ser homem ou mulher.
“É muito comum escutar que a violência doméstica ocorre somente quando a vítima é uma mulher, todavia, tal fato está errado, tendo em vista que pode ocorrer da mulher em face ao homem (a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, inclusive, por ser aplicada por analogia para proteger os homens), de pai para filho entre outros”, explica a advogada especializada no ramo, Gabriele Gonzaga Bueno Garcia.
Além disso, a Lei Maria da Penha não contempla apenas os casos de agressão física. Também estão previstos as situações de violência psicológica, ofensas, destruição de objetos, difamação e calúnia.
Porém, mesmo com todo o aparato protetivo que a lei busca garantir, a síndica profissional e proprietária da Sindinero Serviços, Valéria Martins Del Nero, aponta que não é difícil, em uma área onde se concentram várias famílias de temperamentos e costumes distintos, acontecer alguma agressão física ou moral, até mesmo ameaças, as quais é preciso o síndico intervir para evitar desfechos mais graves.
É preciso manter sigilo
E para estes casos de hostilidades, não é preciso criar uma regra nas convenções, pois a lei já disciplina todos os seus aspectos preventivos e repressivos. Assim como jamais os casos de brigas familiares deverão constar em pauta de assembleia, justamente por ser uma questão particular que ocorreu na intimidade, dentro do apartamento.
O sigilo é importante para não agravar o assunto e, principalmente, para garantir a integridade moral tanto do acusado como da vítima.
“É muito difícil a vítima ou o agressor querer se expor perante o condomínio, devendo tanto os moradores quanto o síndico zelarem pelo bom senso. Deve-se interferir na vida destes moradores somente quando necessário”, comenta o advogado criminalista e sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados, Gabriel Huberman Tyles.
Prevenção
Para reprimir o crime, a dica é o administrador distribuir ou veicular, por intermédio de algum canal de comunicação do condomínio, uma cartilha de esclarecimentos a respeito da violência doméstica, mas sem usar possíveis casos ocorridos como exemplo.
“Esse tipo de assunto é um tanto quanto velado em condomínios, pois sendo algo muito particular, corre o risco de o condomínio ser processado por difamação, caso o assunto se espalhe, por isso deve ser tratado com muita cautela. Os funcionários da portaria devem ser instruídos a não comentar sobre o caso com demais colaboradores e moradores”, informa Valéria.
No momento da agressão
Em casos de agressão comprovada, onde os vizinhos escutam a briga, ou quando a vítima grita e solicita ajuda, é importante acionar a Polícia Militar por meio do número de telefone 190 – de forma anônima ou identificada, solicitando a presença de uma viatura para que os policiais possam registrar a ocorrência.
“O síndico, apesar de seu relevante papel em um condomínio, não é o responsável universal pela resolução de todos os problemas dos moradores. Ele deve agir dentro das suas incumbências, mas não deve ir além”, diz Nathalie Murcia Rodrigues dos Santos, Delegada de Polícia Plantonista do 4° Distrito Policial de Santo André.
Mesmo em casos que a vítima não se pronuncia, a polícia poderá ser acionada pelo condomínio e o socorro é obrigatório, mesmo sendo contra a sua vontade.
“A justificativa para essa conduta mais rigorosa se funda no receio de que a situação se torne mais grave e sem possibilidade de ser sanada”, explica Laila Bueno, advogada consultora do Grupo Graiche.
Agressão a menores de idade
O mesmo procedimento vale em caso de suspeita de agressão a menores. Nesse caso, o conselho tutelarpoderá ser acionado para que se possa investigar os fatos e tomar as medidas protetivas cabíveis à situação.
Quando há indícios de violência doméstica
De acordo com a advogada Gabriele, o síndico pode até tentar conversar com a pessoa possivelmente agredida, caso não tenha presenciado a violência, mas ele não pode se envolver. Pois não é uma autoridade e cabe ao agente investigar se houve ou não um crime dentro da unidade em questão.
“Destaco que somente o guarda civil pode apurar o ocorrido na residência e tomar as medidas cabíveis ao caso. O síndico é um administrador e não um investigador, por isso, se ele não presenciou, ele não deve se intrometer”, fala Gabriele.
Além disso, é importante lembrar que uma agressão não precisa ser necessariamente física para configurar em situação de violência. Ofensas também são situações de violência doméstica e, normalmente, antecedem um ataque físico.
A outra maneira de ajudar é fixar cartazes e comunicados impressos nos elevadores e áreas comuns do condomínio para informar às vítimas que devem procurar a polícia em caso de hostilidade. (use o cartaz que disponibilizamos mais acima nessa matéria)
Discussão X Agressão
Entretanto, é necessário saber diferenciar uma divergência entre casais com agressão física e lesão corporal.
Em casos em que o vizinho escuta apenas discussão acalorada, o condomínio não tem como entrar no mérito da questão, apenas advertir por barulho excessivo.
Nestas situações, que geram incômodos aos demais, com barulhos e situações de insegurança, poderão ser tomadas as medidas previstas em regimento e convenção, com a aplicação de advertência e multas, podendo ser aplicadas em dobro ou até o máximo permitido em lei, ou conforme a convenção.
É possível impedir a entrada do agressor no condomínio?
Situações como esta são delicadas, porém mais comuns do que se imagina.
Valéria Martins relata que existem casos no qual o marido após a agressão sai do condomínio e a esposa procura a administradora pedindo ajuda para proibir a entrada dele no apartamento, por exemplo.
Mas isso só é possível após as medidas protetivas de proibição serem deferidas por um juiz, por intermédio de uma decisão judicial.
“A vítima, se for mulher e estiver acobertada pela Lei Maria da Penha tem direito a algumas medidas protetivas, tais como: afastamento do local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas como, aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor e suspensão de visitas aos dependentes menores”, aponta a advogada Gabriele.
Portanto, havendo uma medida nesse sentido, o síndico deve orientar os funcionários da portaria a não permitirem a entrada do agressor.
Se, havendo a decisão judicial, o agressor quiser forçar sua entrada, basta ligar para a polícia, e ele será conduzido à Delegacia.
“Evidentemente que, no caso do agressor não ser morador do condomínio, a própria vítima pode proibir a entrada dele, mediante uma simples comunicação na portaria”, esclarece Nathalie.
E em caso de dúvida de como proceder diante de uma determinada situação nesta ordem, o melhor a se fazer é ligar para o 190 ou telefonar para a Delegacia da área buscando uma orientação.
Omissão
O assunto é bastante grave, mas “não meter a colher”, em casos comprovados de violência doméstica, pode gerar uma omissão que agravará o crime, levando a consequências complexas.
Além disso, tanto o síndico, como qualquer outro morador, pode ser responsabilizado pelo crime de omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal, se, deixar de prestar assistência.
Segundo a Valéria, nestes momentos, como por exemplo, de uma mulher que foi violentamente espancada pelo marido e está muito ferida, o síndico ou o morador deve prestar socorro, ou acionar quem possa prestá-lo, sob pena de responder pelo crime de omissão de socorro.
Ressalvados esses casos que caracterizam a omissão de socorro, como a violência doméstica se trata de uma grave afronta aos direitos da mulher, a denúncia deve ser considerada como um dever cívico e ético.
“Havendo relatos de vizinhos sobre gritarias, ou ruídos de brigas, por exemplo, deve-se interfona para unidade para que seja solicitado que a briga cesse ou o barulho diminua. Caso a prática seja recorrente ou não cesse com o pedido, a polícia deverá ser acionada sem objeção”, expõe Laila Bueno, advogada consultora do Grupo Graiche.
O síndico, ou qualquer pessoa que denunciar, somente será processado criminalmente, ou civilmente (danos morais) se, de forma proposital, efetuar uma denúncia de crime que sabe não ter ocorrido, ou se o atribuir a pessoa que o sabe inocente. Portanto, somente se houver uma falsa acusação, realizada de má-fé, é que haverá a responsabilização legal.
Se, posteriormente, a vítima não desejar prosseguir com a acusação, o síndico, ou o denunciante, não poderão ser responsabilizados de qualquer forma.
Publicação Original – www.sindiconet.com.br
Fontes consultadas: Laila Bueno, advogada consultora do Grupo Graiche; Gabriele Gonzaga Bueno Garcia, advogada; Valéria Martins Del Nero, síndica profissional e proprietária da Sindinero Serviços; Gabriel Huberman Tyles, advogado criminalista e sócio do escritório Euro Filho e Tyles Advogados Associados; Nathalie Murcia Rodrigues dos Santos, delegada de Polícia Plantonista do 4° Distrito Policial de Santo André